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Mostrando postagens de 2007

Amor de pai.

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Foto de João Prates http://www.1000imagens.com/autor.asp?idautor=519 Amor de pai. Meu pai me ensinou a amá-lo com palavras rudes. Na árvore, os galhos quebrantavam de tão secos. Os braços que ofendiam pesavam mais do que a culpa. Meu olho se fechava intumescido da arrogância. Delator infiel, não sabia guardar segredo. Meus ossos de menino franzino resistiam aos ensinamentos. Era a alma que arquejava como crisálida arrancada do casulo antes do tempo. A pele, acostumada ao curtume, tornou a violência transparente. Apenas meu joelho se dobrou sob a lição de amar ao pai como o Pai me ensinou. Uma flor brotou no deserto Tendo apenas as pedras como travesseiro.

Infância.

Temo que não me compreendas. Bebo da fonte de Caeiro Manoel, Pessoa sempre a me guiar. A infância a busquei no poético, a reencontrei na poesia. Vivo remoçando, revirando do avesso os conceitos que me fizeram deixar de ser livre para inventar o impossível. Rodopio como o peão e vôo alto como a pipa. Quando retorno, não sou mais a mesma. Canto a vida e o encanto. Infância é coisa de Egberto, do Palhaço mais sublime e enfeitiçado de todo o planeta música. Também não me compreendes ao oferecer conselhos. Os conselhos foram feitos para ficar armazenados em cartilhas muito chatas e antigas: imóveis, colossais e retrógrados. Sempre obsoletos. Se chegam onde não há espaço para eles, são rechaçados como intrusos. Se chegam onde já encontram morada, passam desapercebidos ou são tidos como ingenuidades. Melhor saborear a tarde tomando chá de primavera, sonhos recheados de esperança e licor de bobagem, para não esquecer de fugir. O que fazer quando a criança aparece na soleira assustada, s

Teu segredo

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Foto de Paulo Lopes http://www.1000imagens.com/autor.asp?idautor=877 Onde guardar teu segredo, se ele tem natureza de pássaro e, de tão verdadeiro, não cabe dentro de gaiolas? Como guardar teu segredo, se ele é volátil e se expande tornando-se invisível aos olhos do mundo, tatuada a lua no teu ventre? De quem guardar teu segredo, se ele é o negativo do meu fazendo de mim um refém à espera de redenção? Não me peças para guardar teu segredo. Como destino, ele não anda nos trilhos, e a crisálida abandonará em breve o casulo.

Amizade

Foto de A. M. Catarino. http://paralelo77.blogspot.com Amizade. Sigo em paralelo com tua existência, procurando as sombras que derramam de meus passos. Adoecida da labuta insana no tamanho das horas, estou sempre atenta aos sinais que me permitirão refugiar os sentidos e a alma na palma dos ventos. Tu, em cada um de teus "eus", foste o meu sinal neste anoitecer que vinha pesado nos ombros e ardido nos olhos. Minha verdade secreta, que jamais haverei de perscrutar, pelo simples prazer de simplesmente ser, hoje, cruzou o teu caminho. Denise Gomes.

Uma vida simples.

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Foto de A. M. Catarino http://paralelo77.blogspot.com/ Uma vida simples. Tenho medo da dívida com a vida. De não ter como quitar. Dia após dia alimentando, vestindo, ensinando. Tenho medo da dúvida e das certezas. De desconhecer o caminho e apostar na morte sem temer a sorte. Não deixo filhos ou obras que me eternizem. Minha memória será guardada em câmara ardente No silêncio do balbucio do dia seguinte. O esquecimento se encarregará das cinzas. Denise Gomes.

Mínima II

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Sempre é delicado quando se trata de diferenças.

Mínima.

A felicidade tem o estômago cheio.

Desvão.

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Foto de Mário Alexandre Lopes Desvão. O perfume das rosas um dia se esvai. É um dia de entardecer. As frutas na fruteira tornam-se cinzas e a língua fica surda para o seu sabor. O vermelho, com sua volúpia, anoitece restando uma claridade ofuscante. Não é cedo demais? Indaga o coração encurralado entre a mão e o céu. O jasmim orvalha suavidade Como se o jardim ainda pudesse florir.

Mínima

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Se durar apenas três dias Que decante a vida inteira.

Temporada.

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Foto de Luis Miguel Afonso. Temporada. Se hoje tenho os passos lentos é porque corri antes do tempo. Ele não se desespera. Se ainda não alcancei é porque o tempo voou. E eu atrás da quimera. Se os músculos estão rijos é porque não esmoreci. É tempo de primavera. Denise Gomes.

Tua lua.

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Foto de Pedro Moreira. Tua lua. A lua é toda tua basta admirar. Ela espera por um dia, uma poesia, uma alegria, desejosa de não mais voar. É tua a lua lá na rua. Te fita, te cativa, é só deixar entrar. Corre mundo a espreitar seguindo sempre de volta para jamais se apartar. É tua a lua crua que cresce e decresce, desaparece, costumada a viajar. Sua curva é silenciosa, sua calma cautelosa, sua luz sempre a girar. É tua a lua ao longe, se encolhe, esconde, querendo pernoitar. Coberta, inda floresce e quando escurece tenta tanto tatear. É tua a lua nua sempre à mostra, pura, pura, pura. Se encosta, não desgosta, só querendo entrar, ficar, e não mais deixar. Denise Gomes.

Se o amor não existe...

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Foto de Bruno Dias. Se o amor não existe... Os filósofos nos contam que a realidade é apenas uma ilusão, algumas vezes compartilhada, e não deixamos de confiar em nossa percepção ingênua. Se o amor é uma ilusão, é a prova mais sublime de nossa potencialidade para criar. Pois amar é um verbo definitivo. O que importa não é amar o pequeno ou o grande, o frágil ou o forte, o feio ou o belo o branco, o vermelho, o preto ou o amarelo. Importa amar. O amor cotidiano, que chama de querido a todo mundo, que abre um sorriso a cada transeunte, que deseja de coração um bom dia ao vizinho, ao motorista, ao porteiro, ao cobrador, ao ambulante, ao padeiro, ao frentista, à recepcionista ou ao açougueiro, é que sinaliza o amor verdadeiro e prepara para a experiência de amar por inteiro. Porque amor, para ser, aceita como encanto cada ruga no rosto do amado, cada recusa e cada dia mau-humorado. Porque, amar ao ser beijado, não é exclusividade de apaixonado. Se o a

Quanto vale?

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Foto de Pedro Moreira. Quanto vale? Quanto vale o pão, O teto, Mão na mão? Dinheiro Mercadoria Coisa Coisa Coisa Nada vale. Valor não mora em coisa. Vale a intenção das mãos que entregam. Vale o olhar que acolhe. Apenas a pessoa vale antes de nascer. Vale a ponte mais que o muro Vale o ombro mais que o punho. Valem as asas mais que o chão. Denise Gomes

No deserto de Itabira.

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Foto de Paulo Bizarro. No deserto de Itabira (Conversa com a “Viagem na Família” de Drummond) No deserto de Itabira, Quantos silêncios... Há uma solidão que não sei onde se esconde, Uma ausência que se desfaz ausente, Areia e pó a valsar nos cantos Como reminiscências de outros ventos. No deserto de Itabira Desfaleço em meu suor Escorrendo do rosto, como lágrimas, Sob o sol escaldante Que o mar de histórias me lança. No deserto de Itabira Minha infância me faz visita Brincando de esconder e de achar No jogo de claro e escuro Que aos olhos parece miragem Mas que as entranhas identificam Como película de familiaridade. O deserto de Itabira Corrói o coração menino Enferrujando o sangue que pulsa. As veias conduzindo o irrisório riacho, Já minguando em sua secura, Entre as pedras que anunciariam a queda. Ainda viva, a sombra de meu pai. Caminha a meu lado, mais companheira do que nunca, como a despertar-me de sonhos esquecidos. Não sei como pude me distrair E conduzir meus passos olvidando

Para Mari.

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Foto de José Manoel Durão. Para Mari. Acreditas em poesia? Pois poesia está em tudo. Na maneira como despertamos, no bom dia que espalhamos, no sorriso que comungamos, nos olhares que trocamos, nas idéias que pensamos, nos lugares aonde vamos, na música que ousamos, no rosto que estampamos. Acreditar em poesia é ser poliglota, pois não apenas o mel pode ser doce, não apenas as estrelas têm seu próprio brilho, não apenas Deus é puro amor não é apenas a flor que desabrocha. Acreditar em poesia é ser vidente, acreditar na beleza da vida e que ela pode ser plena, apostar que resolveremos o problema, que a alma é grande e que a tristeza é serena, que são os detalhes que conotam a cena. Acreditar em poesia faz a gente esquecer um pouco de quem a gente é e pensar que podemos estar em muitos lugares ao mesmo tempo, que podemos mudar o sofrimento, que podemos voltar e avançar no tempo, que podemos voar e ser invisíveis como o vento. Acreditar em poesia faz a gente desconfiar de que também somos

Desaforo.

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Foto: Helder Almeida. Desaforo. Nem sempre é a nudez que revela o ser. Escondido sob a alvura ele pode ofuscar. Ostentado pela beleza ele pode enfeitiçar. Fragilizado na entrega ele pode estilhaçar. Procura-se uma concha. Silêncio com dimensão de oceano a ecoar. Janela que emoldura, Túnel que esconde, Roupa que aloja, Forma que transcende. Dentro se faz escuro e frio. Mãos pálidas se calam. Os pés cálidos, Cegos e surdos, nada pressentem. Arrojada, a voz entoa seu gemido. O dentro está sempre a desaforar.

Filhos de um Deus menor?

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Foto: Bruno Dias. Filhos de um Deus menor? Se a barbárie fosse a mãe de todas as crianças talvez não tivéssemos a quem rogar. Quem inventou a Deus? Foi aquele que agonizava ou o que temia pela perda de sua felicidade? Se os mais desgraçados são filhos de um Deus menor Mostre-me teu Deus e eu te direi quem és. Em minha terra há muitos Deuses. Há liberdade para orar E há liberdade para não orar. Muitas vezes os que mais sofrem têm os maiores Deuses. Deuses que servem de alimento para a alma, Deuses que preenchem vazios da existência, Deuses capazes de apaziguar angústias e curar feridas incuráveis. Filha de um Deus menor, Oro para que os Deuses maiores Cubram a Terra do solo sagrado Que os homens teimam em profanar.

O divórcio.

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Foto de Helena Maria Milheiro. O divórcio. É triste. Acima de tudo, é triste. Em quaisquer circunstâncias, é triste. Os meninos são os que mais sofrem, e sofrem calados. Ainda crianças, não têm palavras para dizer, dizem com o corpo e com suas ações. E ninguém entende essa linguagem. Cuidam para que o pior não aconteça. Mas, o que é o pior? Saímos dessa situação sempre cheios de marcas doídas. É difícil se sentir inteiro, difícil se olhar no espelho, difícil não se achar feio. Somos um fracasso, desperdiçamos algo de valor, destruímos uma família... Somos médico e monstro. Para curar uma dor provocamos outras. E não tem como evitar. Saída? O tempo... No início, a respiração é ofegante, curta, rápida e insuficiente. As palavras são ásperas, rudes, mesquinhas e vingativas. Os pensamentos são os piores possíveis. Sentimos intensamente cada emoção, e não é nada bom. Há escuridão, que traz o medo. Não sabemos onde tudo isso vai dar. Não sabemos se e como iremos sobreviver, cada um de nós

Cigarro e café.

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Foto: Bruno Dias Cigarro e café. Borras são borras, das cinzas, cinzas. O momento é sóbrio, mas não é em vão. Sorvo o café como sorvia então. Aspiro seu aroma, aprecio seu sabor, seu quente me aquece a palma mas, minha boca queima. Amargo e doce vêm e vão. Névoas se misturam e eu suspiro a fumaça mansa. Meu peito se preenche enquanto a alma, prenhe, se esvai no vão. Silente o céu cintila a calma na escuridão .

Encarne, viva.

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(Foto: Luis Miguel Récio) ENCARNE, VIVA. (Para uma amiga dorida) A tristeza chegou à tua vida sem aviso e sem trégua. A ponto de te fazer sofrer a maior das metanóias: tiveste que renunciar à alegria. Tiveste que subir na montanha mais alta sem água, abrigo ou companhia. Desceste ao poço mais fundo e escuro que a treva criou para o martírio. Atravessaste o fogo, não apenas as brasas, queimando corpo e alma. Tu choraste como quem é torturado até a loucura. Tua pele te foi arrancada do corpo como um réptil. Mas tens sangue quente, não te arrastas, não resistes ao veneno. A dor chegou em tua alma ardente como óleo encandescente. A dor atingiu teu espírito com tanta violência que teu corpo implorou clemência. Tua dor encarneceu. E tu conheceste o medo do toque, da proximidade e da intimidade. Não mais podias acalentar teu frio nos braços de quem amava, Não mais podias sentar no trono de rainha que o rei te ofertava, Não mais podias vestir as vestes de fada que teimava em tornear teu sembl