Infância.

Temo que não me compreendas. Bebo da fonte de Caeiro Manoel, Pessoa sempre a me guiar. A infância a busquei no poético, a reencontrei na poesia. Vivo remoçando, revirando do avesso os conceitos que me fizeram deixar de ser livre para inventar o impossível.
Rodopio como o peão e vôo alto como a pipa. Quando retorno, não sou mais a mesma.
Canto a vida e o encanto. Infância é coisa de Egberto, do Palhaço mais sublime e enfeitiçado de todo o planeta música. Também não me compreendes ao oferecer conselhos. Os conselhos foram feitos para ficar armazenados em cartilhas muito chatas e antigas: imóveis, colossais e retrógrados.
Sempre obsoletos. Se chegam onde não há espaço para eles, são rechaçados como intrusos. Se chegam onde já encontram morada, passam desapercebidos ou são tidos como ingenuidades. Melhor saborear a tarde tomando chá de primavera, sonhos recheados de esperança e licor de bobagem, para não esquecer de fugir. O que fazer quando a criança aparece na soleira assustada, saudosa, sábia e cheia de amor para ensinar? Quando o ontem bate à nossa porta pedindo hospedagem, tiramos de nossos armários as mais solenes roupas, cobrimo-lo de fantasias ultrapassadas e festejamos os mortos. Façamos diferente: este nosso hóspede merece novas roupas, sem cheiro de mofo, merece ser coberto de carinho e festejado como um novo amigo. Pessoa repleta de surpresas e inusitado, com uma árvore cheia de troncos na cabeça, contando histórias de encontros e desencontros, juntar e separar. Pessoa com medo de sombra e de escuro, que precisa ser acolhida antes de se deixar adormecer no colo do amigo recém encontrado. Pessoa delicada e amorosa, desejosa de entrar e ficar, pedindo um copo de minutos bem longos para prozear.
Denise Gomes.

Comentários

Anônimo disse…
Oi, vamos fabricar um copo de minutos bem grandes para prosear?

ML

Postagens mais visitadas deste blog

Devoção

O SAGRADO FEMININO

Quando nada parece fazer sentido