O divórcio
É triste.
Acima de tudo,
é triste.
Em quaisquer
circunstâncias, é triste.
Os meninos são
os que mais sofrem, e sofrem calados.
Ainda crianças,
não têm palavras para dizer, dizem com o corpo e com suas ações.
E ninguém
entende essa linguagem.
Cuidam para que
o pior não aconteça.
Mas, o que é o
pior?
Saímos dessa
situação sempre cheios de marcas doídas. É difícil se sentir inteiro, difícil
se olhar no espelho, difícil não se achar feio.
Somos um
fracasso, desperdiçamos algo de valor, destruímos uma família...
Somos médico e
monstro. Para curar uma dor provocamos outras. E não tem como evitar.
Saída?
O tempo...
No início, a
respiração é ofegante, curta, rápida e insuficiente.
As palavras são
ásperas, rudes, mesquinhas e vingativas.
Os pensamentos
são os piores possíveis.
Sentimos
intensamente cada emoção, e não é nada bom.
Há escuridão,
que traz o medo.
Não sabemos
onde tudo isso vai dar.
Não sabemos se
e como iremos sobreviver, cada um de nós.
A dor está em
cada peito, em cada coraçãozinho apertado.
E descobrimos
que os amigos não sabem o que fazer com a gente.
Eles se
afastam.
Uns porque
continuam saindo em casais, e não somos mais um casal, outros porque ficam
constrangidos com a nossa dor e não têm o que dizer, outros porque,
simplesmente, deixam para lá quando mais precisamos deles.
Também
descobrimos algo muito precioso: com quem de verdade podemos contar na vida.
É muito bom
sentir a força e o apoio de quem nos ama e,
mesmo sem poder
tirar a dor do nosso peito,
consegue ser um
travesseiro macio para nosso sono intranqüilo.
E descobrimos
muita força entre os nossos.
É quando
descobrimos que “a família inteira” não existe mais. Somos uma parte, apenas. E
isso é lição de vida para umas três ou quatro.
Descobrimos,
afinal, que somos seres separados,
que nos unimos
uns aos outros por amor,
não apenas por
pertencimento genético e consangüinidade.
É amor que
torna nosso estar junto tão prazeroso e tão intenso.
As relações
crescem.
As coisas vão
se assentando.
Construímos
novos lares, agora dois, não apenas um.
E os meninos
vão e vão.
Sempre correndo
atrás de um prejuízo que não é deles.
As casas vão
tomando forma nova
e podem começar
a ficar confortáveis quando
as alegrias vão
se somando e multiplicando.
Quanto mais
ficar junto, abraçar em silêncio, chorar por qualquer bobagem, rir à toa
correndo um atrás do outro ou jogando um no outro travesseiro, papel amassado,
água, pijama usado, bola, almofada da sala, herói de plástico ou castanha, mais
as coisas vão parecendo entrar em ordem.
É uma nova
ordem, fora da ordem natural das coisas.
Mas acolhe o
caos que mora em cada um de nós.
Deixa decantar
a dor e aparecer um pouco de luz.
Já tem novas
caras no pedaço. Nossa vizinhança mudou.
Mesmo morando
no mesmo lugar, fazemos novos amigos.
Faz parte da
adaptação ao novo modo de vida.
Separados, nós,
os pais, precisamos mais da solidariedade de nossa rede. Quanto mais ampla,
colorida e coesa for esta rede, maior a possibilidade de dividir o peso.
Pai e mãe de
mãos dadas para cuidar dos filhos ajuda a
não ter
sentimento de deslealdade morando dentro dos meninos.
Afinal, quem se
separou foram os esposos, não os pais. Nós, feliz ou infelizmente, melhor se
restar admiração e confiança mútua, teremos que dividir os cuidados, os custos
e as preocupações com os filhos ainda durante muitos e muitos anos.
Mas, os filhos
ganham quando têm os dias para estar com o pai
e os dias para
estar com a mãe
quando os
momentos são pensados para enriquecer a convivência
e reparar as
feridas.
Distintos
passam a ser também os costumes, as tradições, as crenças
e os meninos
saem favorecidos quando são autorizados
a curtir tudo
de bom que a mãe oferece
e tudo de bom
que o pai oferece.
As diferenças,
que outrora foram impeditivas da boa convivência, podem se converter em
diversidade fértil.
Os suspiros
começam a nascer.
Sinal dos
tempos, de um outro tempo,
em que a
respiração é mais longa, pausada e quase imperceptível.
Já não há o
temor de a qualquer momento o barco virar,
a canoa furar,
a água
transbordar...
O pior já
passou, vencemos a tormenta.
Sobrevivemos,
mas ainda estamos com os pés na lama.
A jornada será,
para sempre,
um pouco mais
íngreme para cada um de nós.
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