APEGO E MUDANÇA


Nilton Bonder(i) nos ensina que para mudar, crescer ou se desenvolver precisamos trair. O novo é um rompimento com os padrões assumidos na vida, uma superação do que já se tornou uma tradição em nossas vidas, portanto, uma traição ao antigo modo de atuarmos e pensarmos. O apego seria, para ele, uma traição à própria alma, a si mesmo, resultado de uma tensão entre a necessidade de preservação e o medo da transformação.
Para ele, não há superação sem transgressão. Ele nos lança o desafio de sempre buscar e sempre superar, o desafio da perseverança e da altivez. O conjunto de crenças e padrões de conduta que aprendemos quando crianças se constrói dentro de nós como firmes tradições a serem mantidas e transmitidas às próximas gerações. Protegê-las equivale a proteger o mundo de invasões bárbaras. Passamos a ser guardiões da ordem e dos bons costumes ao nos mantermos fiéis a um modo de vida.
O universo das experiências vividas nos limita a pensar que o que temos diante de nós é "tudo". Como ir além do jardim? Como expandir nossa visão de mundo? Como deixar de tentar abrir as portas pintadas na parede de nossa sala diante de nossos olhos e descobrir o portal que se abre bem atrás de nós? Será possível mudar a direção a partir da encruzilhada?
As encruzilhadas, aquelas situações que dividem nosso mundo e nos obrigam a fazer uma escolha que mudará o rumo de nossas vidas para sempre, são momentos cruciais, como o nome já dizia, para reavaliarmos nossos valores, indagarmos sobre nossos mais íntimos anseios e vislumbrarmos uma ampliação do campo de possibilidades que, até então, delimitava nossa imaginação.
A vida está sempre a nos convidar ao desconhecido do mundo e de nós mesmos. Mas procuramos sempre pelo mesmo. O mesmo jeito de reagir, o mesmo jeito de pensar, os mesmos caminhos a percorrer, as mesmas viagens, os mesmos medos, as mesmas angústias.
Sentimos que precisamos de ordem, de repetição, de previsibilidade. Que maravilha seria poder prever os acontecimentos! Poder nos preparar com o velho para enfrentar o novo... Acreditamos na importância das padronizações e na divisão do mundo entre certo e errado. No entanto, a única constante à nossa disposição é a mudança. A vida nos oferece o acaso, o imprevisto, o inusitado. Sempre a nos surpreender. Sempre a exigir de nós expansão, superação e emancipação. Sempre a nos convidar a aprender um modo novo de ser e de agir. 
Como é difícil aceitar esse convite! Sempre a nos intimidar.
Saber o que não queremos mais e poder estar protegidos contra o que nos agride pode nos proporcionar boas escolhas. Porém, muitas vezes estamos inconscientes do que nos aflige e seguimos reféns de nosso medo através da evitação e da busca do mesmo.
Que possamos ousar pensar diferente e sentir diferente. Que possamos descortinar o que há de mais assustador em nós mesmos e aprender a amá-lo. Que possamos amar o que desconhecemos para, assim, nos abrirmos às descobertas.

(i) BONDER, N. – A Alma Imoral: traição e tradição através dos tempos. Rio de Janeiro, Rocco, 1998, pp 135.

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